sábado, 21 de janeiro de 2017

Uma nortada

Com os anos aprendeu a conviver com o presságio que a interrompia continuamente. Ela sabia que iria morrer sozinha. 

Por algum motivo que se impôs com uma inexplicável força no seu percurso, passou grande parte da sua vida sozinha. Habituou-se a passar dias a perder a conta sem falar e sem fixar o olhar no de alguém. 

Vivia tão só. 




Recordava com tremenda dor as mãos meigas de sua mãe mimarem-lhe a cara e da paixão de um antigo amante quando se encontravam no alpendre. 
Sabia que jamais teria iguais presenças na vida. E sabia ainda melhor que tudo o que se sente pertence ao real.

Certa tarde, ouviu estas suas duas vozes conversarem na pequena sala de arrumos. Trémula, abriu a porta expectante. Encontrou apenas, pela vidraça fosca do quarto, uma escura tempestade que se aproximava de si vinda do Norte. 

Nesse instante não aguentou mais tantas ausências. 



Sentiu uma folha amassar-se no peito e precisou de ar. 
Correu pelo campo até cair esgotada, sem fôlego e com dores agudas nas pernas e no ventre. 
Qualquer dor física torna-se insignificante diante de uma dor emocional.



Era Inverno. A noite caiu cedo e trouxe consigo mais frio e ainda mais chuva.

Precisou tanto de alguém nesse instante como terá precisado certamente durante toda a sua vida.  Não teve força ou talvez motivação para erguer-se sozinha. Permaneceu imóvel , por horas, enquanto sentia a pele queimar-se na terra húmida e na impetuosa tempestade. A queimadura do frio não compete com a que deixa a solidão pelo corpo. Essa dor é soberana; aquela de se ver só.

Ninguém deu pela sua falta. Jamais alguém a procurou. 
Foi encontrada por um pastor quando o sol primaverou semanas mais tarde.

Morreu sozinha, porque todos morremos. Mas a morte somente a tocou porque a solidão chamou decidida por ela.  E é disso, precisamente, que todos temos tanto medo afinal.

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