quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Estrelas-de-Anis

O eco dos seus passos no soalho trazia-lhe tranquilidade. Recordava-lhe o bater do coração no peito da sua mãe. Esse conforto. Por isso, passeava pela casa nas horas em que o sol espreguiçava-se pelas vidraças.
Por isso, madrugava.


Antes de desaparecer descalça pela praia ela percorria toda a casa com os seus melhores sapatos. Aqueles que ecoavam melhor sem a desnecessidade dos saltos muito altos e sem a discrição dos sapatos rasos. Dedicava-se ao seu musical com aqueles seus sapatos afinados à medida de uma sola de madeira.




O amanhecer daquela casa pertencia ao seu sapatear e às faustosas lenga-lengas das aves no jardim.
Antes das criadas sacudirem as colchas pesadas pelas janelas do piso de cima e antes mesmo de cantarolarem pela cozinha lá em baixo, ela ocupava toda a casa.
Passo a passo.

No silêncio singular daquela hora ela gostava de sentir o seu peso no tabuado. De fazer ranger cada tábua e atravessar demoradamente cada degrau alcatifado das escadas.


Quando por fim o sol aquecia a casa, acordava o seu filhinho num sussurro:
"Vem comigo à despensa, meu amor" .
Sapateava pelo corredor das criadas apertando-o no seu peito. Esse conforto.


"Inspira fundo. Sente bem o aroma do anis e escuta este meu coração."
A despensa húmida das mercearias cheirava a especiarias doces como o cabelo do rapazinho quando dormiam abraçados pela noite.


"Filhinho, nunca afastes o encanto.
Todos os dias eu dou corda aos meus sapatos. É assim que desperto o meu."





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